A xícara chegou não em uma caixa, mas nas mãos de Márcia Pessanha. Estávamos em sua casa, em uma dessas manhãs de conversação, risadas e a certeza de que a vida é mais doce quando compartilhada. E Márcia, com a discrição de quem entrega um tesouro, estendeu o presente a Shirley. O objeto, em sua simplicidade e beleza, traduzia a amizade que nos unia: era o afeto em forma de xícara.
Era de vidro. Mas não um vidro comum, pesado ou sem graça. Era de uma transparência quase líquida, tão límpido e leve que parecia feito de um pedaço de luz congelada. A borda, um fio de luz, a base, uma promessa de sustentabilidade. O objeto, em si, já era uma declaração. O vidro, que não esconde nada, nos lembra de que as relações mais belas são aquelas que não têm segredos, que se mostram por inteiro, sem filtros. A transparência da xícara era a metáfora da amizade de Márcia, pura, sem opacidade, sem arestas.
Mas o que tornava a peça única era a colher. Uma colher dourada, de um ouro que não pesava, mas brilhava. A ponta, delicadamente moldada em um coração. Não um coração pomposo, mas um coração de desenho simples e gentil, que parecia feito para mexer o líquido com delicadeza, sem arranhões, sem estridência. Era a certeza de que a Márcia, ao escolher o presente, pensou em cada detalhe, em cada gesto. O coração dourado era o selo, a assinatura de uma amizade que brilha e que só agita para adoçar, para misturar o que de bom a vida oferece.
Aquele gesto, porém, tinha a sua própria história, a sua própria raiz. Era a continuação de uma troca de carinhos que havia começado no aniversário de Márcia. Naquele dia, a Shirley, com o coração cheio de afeto, pegou uma pequena planta com fios de ouro que era parte da decoração das mesas. Parecia um gesto simples, mas a intenção era nobre: dar vida a algo que, de outra forma, seria descartado. Shirley plantou-a com carinho em outro vaso. E a planta, em um ato de gratidão e força, enraizou-se. Cresceu, viçosa e linda, como um símbolo da amizade que, mesmo vindo de um gesto de última hora, floresceu e se fortaleceu. A xícara de Márcia, com sua colher em forma de coração, era a resposta, o eco, a reciprocidade daquele gesto. Era o reconhecimento de que o afeto que se planta, floresce.
Shirley, com a xícara na mão, pareceu se encher de uma luz particular. Era como se, ao segurar o objeto, ela segurasse um pedaço da alma de Márcia. E o sorriso que lhe iluminou o rosto era o sorriso de quem recebe não apenas um presente, mas a confirmação de que o amor está presente. A crônica da xícara, assim, começou a ser escrita não com palavras, mas com a quietude daquele momento, com a luz que a manhã espalhava pela sala de Márcia, com o calor da amizade que se sentia.
Nos dias que se seguiram, a xícara se tornou um ritual. Shirley a usa para tomar seu chá da tarde, para beber seu chocolate quente nas noites frias. E eu a observo. Observo a mão dela, segura, confiante, segurando a xícara transparente. Vejo a colher em forma de coração mexendo o conteúdo, e a felicidade se dissolve e se espalha. Não é apenas a bebida que ela saboreia, mas o afeto que a envolve, a memória da Márcia, a certeza de que a amizade é um tesouro que não se quebra, que não se esvai.
A xícara, assim, se tornou um pequeno confessionário de alegrias. A cada uso, a cada gole, uma história é recontada. A história da Márcia, de Shirley, de uma amizade que resiste ao tempo e à distância. E eu, o narrador silencioso dessa crônica, me sinto parte da história. A xícara é o palco, o vidro a revelação, a colher o afeto e a Shirley, a atriz principal. E eu, o público mais grato e apaixonado.
A vida é feita de objetos, mas o que fazemos com eles é o que os torna eternos. A xícara de vidro com a colher de coração não é apenas um presente, mas uma lembrança constante de que a felicidade se manifesta nos pequenos atos, na simplicidade dos gestos, na transparência dos sentimentos e na ternura dos corações que se amam.
E a crônica, essa crônica, é apenas um eco, um murmúrio, a tentativa de eternizar o que, na verdade, já é eterno.
© Alberto Araújo
Agosto de 2025
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