As prosas curtas são um novo modelo de expressão poética, onde a poesia se expande para além dos versos tradicionais. Cada texto é independente, mas todos dialogam entre si, formando uma narrativa sensorial, emocional e contemporânea.
Neste método, a leitura pode ser feita fragmentada: cada prosa funciona como uma estação, uma pausa poética, uma experiência que pode ser saboreada sozinha ou em sequência. O ritmo, a musicalidade e a intensidade das imagens mantêm a força da poesia, mesmo no formato de prosa.
É uma forma de escrita inovadora porque une memória, reflexão e emoção, permitindo que o leitor faça sua própria travessia, mergulhando na experiência do autor e encontrando sua própria ressonância interior.
As prosas curtas convidam o público a perceber que poesia não precisa estar presa ao verso, que ela pode existir na liberdade da narrativa fragmentada, na cadência das palavras e no poder das imagens.
TRAVESSIA
Saí de Luzilândia como quem leva no peito o silêncio do Velho Monge. O rio me ensinou cedo que a vida é correnteza: ora mansa, ora furiosa, sempre em busca de outra margem. Aprendi a escutar o tempo nas águas barrentas, a rezar à sombra de Santa Luzia, a guardar no bolso as pedrinhas do quintal da infância, como relíquias de um santuário íntimo.
Cresci embalado pelo rumor das canoas, pelo canto das cigarras ao entardecer, pela voz da minha mãe chamando do terreiro. Ali estava o chão da minha raiz, ali aprendi que a saudade é uma herança que nunca se perde, apenas muda de endereço.
Um dia, a vida me chamou para outra travessia. Cruzei não só o rio, mas estados, mares, distâncias. Troquei as margens serenas do Parnaíba pelas areias de Niterói, onde o oceano abre seus braços imensos e o Cristo, do alto, parece abençoar cada chegada.
Na nova cidade, o mar me fala outra língua, mas eu ainda entendo: é o mesmo chamado do tempo, a mesma lição da água que nunca se prende. E quando caminho pela praia, sinto que cada onda traz um recado do rio distante, como se o Velho Monge soprasse em mim a memória de menino.
Minha travessia não é de partida, é de soma. Sou o homem que carrega duas margens no coração: a da infância, guardada em Luzilândia, e a da esperança, aberta em Niterói. Entre rio e mar, sigo sendo ponte.
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EXEMPLO:
TRAVESSIA
Nasci às margens do Velho Monge, em Luzilândia, onde o rio me ensinou que a vida é correnteza: nunca para, sempre chama.
De lá, trouxe a fé de Santa Luzia, o cheiro da terra molhada e a infância guardada em quintais de silêncio.
Hoje caminho em Niterói,
onde o mar me recebe como irmão mais velho.
Entre rio e oceano, sou ponte.
Carrego no peito duas
margens: a que me fez menino e a que me sustenta homem. — Alberto Araújo
TRAVESSIA
COLAGEM PREENCHIDA POR
FRAGMENTOS
1. O Berço
Nasci sob a bênção do
Velho Monge.
O rio, com sua voz mansa
e grave, embalava meu sono de menino.
Ali aprendi que cada água é passagem, mas também memória.
2. A Luz
Santa Luzia velava os
meus dias.
Nas procissões, a chama
das velas acendia também meu coração.
Era como se a fé fosse um
mapa invisível, me guiando por caminhos ainda ocultos.
3. O Quintal
No terreiro da casa, cada
árvore era testemunha da infância.
Colei folhas no peito
como medalhas, subi em galhos como quem ensaia voo.
Ali aprendi que o tempo
se mede em brincadeiras, não em relógios.
4. A Partida
Um dia, o rio me empurrou
para outras águas.
Levei comigo o silêncio
das canoas e a saudade das tardes de cigarra.
Sabia: toda travessia
pede coragem, mesmo quando o coração quer ficar.
5. O Encontro
Cheguei a Niterói como
quem reencontra um pedaço de si.
O mar, imenso e luminoso,
abriu os braços como irmão mais velho.
Reconheci nele a lição do
rio: a vida nunca se prende, apenas se alonga.
6. A Ponte
Sou filho de duas
margens.
De Luzilândia, trago o
menino que aprendeu a sonhar no Parnaíba.
De Niterói, o homem que
aprendeu a caminhar no horizonte do mar.
E entre um e outro, sigo
sendo ponte.
7. O Cais
No cais do Velho Monge,
aprendi a esperar.
O rio ensinava a
paciência: a canoa chega, a água se acalma, o tempo se ajeita.
Cada ondulação era um
verso que o vento recitava só para mim.
8. As Vozes
As vozes da aldeia me
seguiram até o horizonte.
Risos, cantos e rezas se
misturavam à lembrança, lembrando que nenhuma partida apaga raízes.
9. O Sol
O sol de Luzilândia
queimava de mansinho, ensinando que a luz também é gesto.
Aprendi a acolher calor e
sombra, a medir o dia pelo brilho e pelo silêncio que fica.
10. O Caminho
Vias, estradas, rios e
pontes.
Cada passo era uma
despedida e uma chegada ao mesmo tempo.
Viajar é descobrir que o
coração leva o tempo consigo.
11. O Encontro com o Mar
Niterói me recebeu com
braços de espuma.
O Velho Monge sussurrava
através das ondas: “siga, menino, você já conhece a travessia.”
12. A Saudade
A saudade não é tristeza,
é bússola.
Em cada esquina da nova
cidade, reconheço um pedaço da minha infância.
Em cada olhar do mar,
reencontro o rio.
13. O Horizonte
Aprendi que todo fim de
dia é promessa.
O horizonte une rio e
mar, passado e futuro, menino e homem.
Ali, finalmente, entendi
que a travessia nunca termina: ela se transforma.
14. As Esquinas da Infância
Nos caminhos de terra da
minha cidade, cada esquina tinha cheiro, cor e história.
Brincadeiras
improvisadas, vozes de amigos, risos que ainda ecoam no meu peito.
Ali aprendi que a vida se
mede em momentos, não em relógios.
15. O Ritmo das Chuvas
Quando a chuva caía sobre
o Velho Monge e as ruas de Luzilândia, tudo se transformava.
O barro, as poças, os
peixes e as garças eram música.
O coração aprendia a
dançar com o céu.
16. As Festas e
Procissões
Santa Luzia iluminava
cada celebração.
Entre velas e cantos,
compreendi que a fé é festa e silêncio ao mesmo tempo.
A devoção é a ponte que
liga o humano ao divino.
17. Os Irmãos e Amigos
Cresci cercado de mãos
estendidas, de risos e travessuras.
Cada amigo, cada irmão,
era um espelho de coragem, alegria e lealdade.
Eles estavam comigo mesmo
quando a estrada me levou embora.
18. O Som do Rio
O Velho Monge falava sem
palavras.
Suas águas carregavam
histórias, sonhos e segredos que só quem escuta com o coração entende.
Aprendi que o silêncio
também é fala.
19. O Primeiro Olhar para
Niterói
Chegar à cidade grande
foi sentir o mundo se abrir de uma vez.
O mar, imenso, dizia:
“Bem-vindo, menino do rio, agora és homem do horizonte.”
E a alma sorria,
reconhecendo a continuidade da travessia.
20. A Rua que Abraça
Entre prédios, praças e
ruas cheias de gente, encontrei a mesma poesia da minha cidade natal.
O concreto também pode
cantar, se você souber ouvir.
A ponte entre passado e
presente é invisível, mas firme.
21. O Ritmo do Mar
Aprendi que o oceano
respira igual ao rio.
Ondas chegam e vão, levam
e trazem.
O menino do Parnaíba
aprendeu a ser homem no balanço das águas.
22. A Memória das Árvores
As árvores do quintal
eram minhas guardiãs.
Cada galho, cada sombra,
lembrança viva de quem fui.
Levo comigo seus
sussurros, mesmo longe da cidade natal.
23. O Cheiro da Terra
Molhada
Nada se compara ao
perfume da chuva sobre o barro.
É cheiro de vida, de
memória, de raiz profunda.
Sempre que sinto, volto a
ser menino do Velho Monge.
24. O Toque do Sol
O sol de Luzilândia me
ensinou a valorizar calor e luz.
Aprendi que a paciência é
como a luz: cresce devagar, mas ilumina tudo.
25. O Silêncio da Noite
As noites eram festas de
estrelas.
O Velho Monge refletia o
céu em suas águas calmas.
O silêncio nunca foi
vazio; era poesia em espera.
26. As Histórias que
Carrego
Cada canto da cidade,
cada rosto de amigo, cada voz de mãe.
Tudo vive dentro de mim
como capítulos que nunca se fecham.
27. O Encontro com o
Presente
Em Niterói, cada passo é
diálogo com a memória.
O menino do rio e o homem
do mar conversam em silêncio, aprendendo a mesma lição: a vida é travessia.
28. O Rio e o Mar
O Velho Monge e o oceano
não competem, se completam.
Um ensinou a espera,
outro a amplitude.
Entre eles, aprendi a ser
ponte e horizonte ao mesmo tempo.
29. A Saudade que Abraça
Saudade não é dor; é
abraço que atravessa tempo e distância.
Levo Luzilândia comigo, e
ela me guia pelo presente, sempre.
30. O Homem que Sou
Hoje caminho entre duas
margens.
Sou menino e homem, rio e
mar, passado e futuro.
E sei que toda travessia é também retorno: ao lar, ao coração, à essência.
© Alberto Araújo
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