segunda-feira, 29 de setembro de 2025

FERNANDO PESSOA NA ESQUINA DO TEMPO - PROSA POÉTICA DE ALBERTO ARAÚJO

Lisboa acordava com o tilintar dos bondes e o cheiro de café fresco escapando das padarias. Na esquina da Rua dos Douradores, um homem franzino ajeitava os óculos e parecia observar o mundo como quem lê um livro escrito em língua secreta. Era Fernando Pessoa, mas também não era, porque dentro dele havia muitos.

Enquanto os transeuntes corriam para o trabalho, ele permanecia imóvel, como se esperasse algo que nunca chegaria. Talvez uma revelação, talvez apenas o próximo verso. O balconista da tabacaria o cumprimentava sem saber que, dali, nasceria um dos poemas mais célebres da língua portuguesa. Pessoa respondia com um aceno tímido, guardando para si o turbilhão de vozes que o habitavam. 

Naquela Lisboa de pedras gastas e céu luminoso, ele escrevia sobre a solidão, mas também sobre a estranha alegria de existir. Era capaz de transformar o banal em abismo e o abismo em cotidiano. Para ele, até o simples ato de olhar uma janela podia ser uma viagem infinita. 

E assim, entre cigarros, cafés e papéis amassados, Fernando Pessoa fez da vida uma crônica silenciosa: a de um homem que nunca foi apenas um, mas que, justamente por isso, conseguiu ser todos.

 

© Alberto Araújo 


 

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