Borges escrevia como quem pressente que o universo é feito de símbolos. Cada palavra era uma chave, mas nenhuma chave abria uma porta definitiva. O que se abria, sempre, era outro corredor, outra biblioteca, outro reflexo. E talvez fosse isso que mais o fascinava: a ideia de que não existe fim, apenas repetições, variações, ecos.
Para ele, o tempo não era uma linha reta, mas um círculo. Um rio que retorna ao mesmo ponto, mas nunca da mesma forma. O instante que vivemos agora já foi vivido, e será vivido outra vez, em outra dobra do infinito. E, no entanto, Borges não se desesperava diante dessa eternidade: sorria, como quem aceita que o mistério é maior do que qualquer resposta.
Sua cegueira tardia não lhe roubou a visão. Ao contrário, deu-lhe olhos interiores, capazes de enxergar o que não se mostra. Ele caminhava pelas ruas de Buenos Aires como quem percorre um sonho, reconhecendo que cada esquina podia ser também uma metáfora, cada sombra um sinal. E, ao escrever, transformava o mundo em um vasto espelho, onde o leitor se via refletido — mas sempre de forma estranha, multiplicada, infinita.
Borges acreditava que a literatura é um jogo secreto entre o homem e o destino. Um jogo em que não há vencedores, apenas jogadores que se perdem e se encontram nas páginas. Ele sabia que cada livro é também um espelho, e que cada leitor, ao abrir um volume, está também sendo lido por ele. A biblioteca, para Borges, não era apenas um lugar físico: era o próprio universo, com suas prateleiras intermináveis, seus corredores que se repetem, suas páginas que contêm todas as histórias possíveis.
E, no entanto, havia ternura em sua filosofia. Não era apenas o frio raciocínio de um arquiteto de labirintos, mas também a delicadeza de um homem que sabia que a eternidade pode caber em um gesto simples: o toque de uma mão, a lembrança de um rosto, a palavra que se repete como um eco amoroso. Borges nos ensinou que o infinito não está apenas nas estrelas ou nos livros, mas também no instante em que respiramos, no olhar que se cruza com o nosso, no silêncio que se prolonga entre duas frases.
Ele compreendia que a vida é feita de símbolos, mas também de carne, de memória, de esquecimento. Sabia que o tempo nos devora, mas também nos multiplica. E talvez por isso sua obra seja tão paradoxal: ao mesmo tempo em que nos lembra da nossa pequenez diante do cosmos, também nos oferece a grandeza de sermos parte dele. Cada ser humano, para Borges, é uma biblioteca ambulante, um livro que se escreve sozinho, uma narrativa que se entrelaça com outras narrativas.
Sua literatura é um convite à vertigem. Ao abrir suas páginas, não sabemos se estamos lendo ou sendo lidos, se estamos sonhando ou sendo sonhados. Ele nos mostra que a realidade pode ser apenas uma ficção mais persistente, e que a ficção pode ser mais real do que qualquer experiência concreta. E, nesse jogo de espelhos, Borges nos devolve a nós mesmos — mas transformados, multiplicados, infinitos.
Há quem veja em sua obra apenas o labirinto, a dificuldade, a erudição. Mas, se olharmos com atenção, veremos também a ternura escondida, a melancolia suave, a esperança discreta. Porque Borges, apesar de seus paradoxos, acreditava na beleza da busca. Mesmo sabendo que não há resposta final, ele nos ensinou que a própria procura já é uma forma de eternidade.
E assim, Borges permanece. Não como um autor distante, mas como um companheiro secreto, que caminha ao nosso lado sempre que abrimos um livro. Ele nos lembra de que o espelho não mostra apenas o que somos, mas também o que poderíamos ser. E que, ao olharmos para dentro do labirinto, descobrimos que o labirinto somos nós.
© Alberto
Araújo
Nenhum comentário:
Postar um comentário