terça-feira, 9 de setembro de 2025

QUANDO A VOZ SE CALA, MAS O ECO FICA - CRÔNICA DE ALBERTO ARAÚJO

08 de setembro de 2025. O último adeus à voz que rasgava silêncios. Foi a nossa companheira nas letras Ana Maria Tourinho quem trouxe a notícia, como quem entrega uma carta selada com saudade: Angela Ro Ro se despediu. E ali, no grupo, entre mensagens e memórias, senti o baque como quem ouve o fim de uma nota que nunca deveria acabar.

Quando eu era “rapazote”, Angela já era mais que uma cantora, era uma tempestade emocional que invadia o rádio e o coração. “Amor, meu grande amor” ecoava nas manhãs e madrugadas, e aquela voz rouca, grossa, quase indomável, parecia saber de mim mais do que eu mesmo. Era como se ela cantasse com o peito aberto e a alma em carne viva. Ângela Maria Diniz Gonsalves, a Ro Ro, não era só música, era confissão, era coragem, era crônica viva da amor e do desejo.

Angela não pedia licença para entrar, ela invadia. Com seu piano e sua voz grave, ela dizia verdades que muitos não ousavam pensar. Era uma mulher que cantava como quem vive, e vivia como quem canta. Sem maquiagem emocional, sem retoques. Falava de amor, sim, mas também de desilusão, de desejo, de liberdade. E fazia isso com uma intensidade que deixava a gente meio sem ar. 

Lembro-me de escutar suas músicas emblemáticas, como quem acessa um segredo. “Fogueira”, “Gota de Sangue”, “Escândalo”, cada faixa era um mergulho fundo, sem boia. Angela não era para ouvidos distraídos. Era para quem já tinha amado demais, chorado demais, vivido demais. E mesmo quem não tinha vivido tanto, como eu naquela época, sentia que ela estava ensinando algo sobre a vida, que o amor tem de ser vivido intensamente, sem disfarces e sem medo, tem de ter entrega, tem de ser absoluto. 

Angela Ro Ro partiu no mesmo Rio de Janeiro que a viu nascer, como se fechasse um ciclo entre mares e melodias. A trigésima terceira maior voz da música brasileira, segundo a Rolling Stone, mas para nós, que a escutamos com o coração em punho, ela foi sempre primeira. O apelido “Ro Ro”, dado por meninos do bairro por causa da voz rouca, virou assinatura de uma artista que nunca teve medo de ser inteira, mesmo quando isso doía.

Agora, resta o silêncio, mas um silêncio cheio de ecos. Porque Angela não se cala: ela permanece em cada verso, em cada piano, em cada lembrança de quem, como eu, foi tocado por sua música como quem é tocado por um raio. E talvez seja isso que define os grandes: mesmo quando se vão, continuam nos atravessando. 

© Alberto Araújo

UM POUCO SOBRE A ARTISTA


ANGELA RO RO — A VOZ QUE TRANSFORMOU DOR EM CANÇÃO 

Nasceu no Rio de Janeiro, em 5 de dezembro de 1949, com o nome de batismo Ângela Maria Diniz Gonsalves. Antes mesmo de compreender o peso das palavras, já se comunicava pelo som: aos cinco anos, dedilhava o piano com a curiosidade de quem descobre um idioma secreto. Aos seis, compunha suas primeiras melodias, como se a música fosse um destino inevitável. 

O apelido “Ro Ro” veio cedo, dado por meninos do bairro que se encantavam e se divertiam, com sua voz rouca e rascante. Mal sabiam eles que aquela rouquidão se tornaria marca registrada de uma das intérpretes mais intensas da música brasileira. 

Na juventude, Angela cruzou oceanos. Viveu na Europa, cantou em pubs, trabalhou em ofícios diversos, mas nunca se afastou do piano e da canção. De volta ao Brasil, mergulhou na noite carioca, onde sua presença magnética e seu repertório ousado chamaram a atenção da indústria fonográfica. Em 1979, lançou seu álbum de estreia, Angela Ro Ro, um marco da MPB que trouxe ao mundo canções como Gota de Sangue, Balada da Arrasada e Amor, Meu Grande Amor. 

Misturando blues, samba-canção, bolero e rock, Angela cantava sem filtros. Suas letras eram confissões abertas, e sua interpretação, um mergulho profundo na alma humana. Falava de amor e de desilusão, de desejo e de liberdade, com a mesma coragem com que viveu sua vida. 

Ao longo das décadas, construiu uma obra que atravessou gerações. Gravou álbuns memoráveis, influenciou intérpretes e compositores, e deixou sua marca em vozes como as de Maria Bethânia, Ney Matogrosso e Marina Lima, que encontraram em suas canções um território fértil de emoção. 

Angela Ro Ro partiu em 8 de setembro de 2025, no mesmo Rio que a viu nascer. Tinha 75 anos e carregava no currículo o título de 33ª maior voz da música brasileira, segundo a Rolling Stone. Mas para quem a ouviu com o coração aberto, ela sempre foi e será primeira. 

Hoje, sua ausência é apenas física. Sua voz continua a ecoar nas madrugadas, nos pianos solitários, nos corações que aprenderam com ela que a música é mais do que som: é confissão, é cicatriz, é abraço. Angela Ro Ro não se cala, permanece, como um raio que atravessa o tempo. 

DISCOGRAFIA 

Álbuns de estúdio

 

Angela Ro Ro (1979)

Só Nos Resta Viver (1980)

Escândalo! (1981)

Simples Carinho (1982)

A Vida é Mesmo Assim (1984)

Eu Desatino (1985)

Prova de Amor (1988)

Acertei no Milênio (2000)

Compasso (2006)

Selvagem (2017)

 

Álbuns ao vivo

 

Ao Vivo - Nosso Amor ao Armagedon (1993)

Ao Vivo (2006)

Feliz da Vida! (2013)

 

Outros álbuns

 

Escândalo (2009)

Coitadinha Bem Feito: As Canções de Angela Ro Ro (2013)

Videoálbuns

 

Ao Vivo (2006)

Feliz da Vida! (2013)

 

© Alberto Araújo

 



 

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