segunda-feira, 29 de setembro de 2025

OS PESCADORES E SUAS REDES - CRÔNICA LÍRICA DE ALBERTO ARAÚJO - A CONCITA CORDEIRO

A fotografia compartilhada por Concita Cordeiro, tomada das margens de Niterói, guarda dentro de si mais do que um instante congelado: ela captura um pedaço vivo da alma do lugar. O olhar repousa primeiro sobre a água calma da Baía de Guanabara, espelho azul que costura o presente às memórias de tantas gerações de pescadores. O fundo da cena traz o Rio de Janeiro erguendo-se em concreto, serras e silhuetas imortais; mas é no primeiro plano, na simplicidade de uma pequena embarcação, que reside a essência verdadeira, dois homens, dois irmãos de destino, tecendo com gestos lentos e silenciosos a sobrevivência, a tradição, a esperança. 

Ali estão eles, marinheiros de uma vida breve e ao mesmo tempo infinita, porque suas mãos certamente repetem o mesmo ritual que seus pais e avós já repetiram. As redes repousam pesadas entre eles, como se carregassem não apenas peixes, mas também histórias, cansaços e sonhos. No balanço suave das águas, há algo de bíblico: a confiança no trabalho partilhado, o respeito ao ciclo da natureza, a fé de que o mar nunca falha com aqueles que o conhecem pela paciência. 

O calor humano transborda dessa cena. Não é preciso ouvir as palavras dos dois pescadores para compreender o diálogo que se estabelece: um gesto basta, o levantar da rede, o olhar que confirma, o silêncio cúmplice. A pesca é mais que um ofício; é um código ancestral de companheirismo. Ninguém pesca sozinho, ainda que esteja só. O mar obriga ao diálogo, à partilha, à compreensão dos limites e das forças. No vai e vem das ondas, aprendem-se valores que a terra firme tantas vezes esquece: solidariedade, confiança e humildade. 

As águas de Niterói guardam um segredo: nelas repousa uma cidade que respira ao compasso da maré. Do cais ao horizonte, as embarcações coloridas são como notas musicais dispersas sobre a partitura líquida. Cada barco tem sua melodia, cada pescador sua poesia. O olhar distante pode ver apenas trabalho, mas quem mergulha mais fundo enxerga a beleza desse ofício que resiste ao tempo. O barco pequeno, quase tímido diante da imensidão, é símbolo da coragem do homem comum que enfrenta a vastidão com suas mãos nuas.

Enquanto a modernidade ergue prédios do outro lado da baía, os pescadores permanecem fiéis ao essencial. Entre eles não há disputa, há comunhão. A rede, quando lançada, é o retrato dessa filosofia: abre-se ampla, generosa, como se abraçasse o mundo. E quando retorna, seja farta ou vazia, retorna sempre dividida. Porque não se vive do mar com avareza, mas com gratidão. 

Na imagem, o sol banha as águas com um brilho delicado, quase de bênção. A claridade ressalta a dignidade das figuras humanas. Não se trata apenas de dois homens em um barco, mas da humanidade refletida em sua forma mais simples e, por isso mesmo, mais grandiosa. Há calor em seus gestos, mesmo na distância do observador. O calor humano que resiste às marés, às crises, às intempéries. Um calor que não vem do fogo, mas da certeza de que o outro existe, de que o outro está ao lado, sustentando a mesma rede, partilhando o mesmo risco. 

O horizonte, recortado por montanhas e prédios, parece nos lembrar de que a vida é sempre uma travessia. De um lado, a natureza intocada da serra; do outro, a cidade que cresce e se multiplica. No meio, os homens comuns, que precisam do mar não apenas para alimentar o corpo, mas para nutrir a alma. Porque só quem vive na cadência das águas sabe que a vida é feita de ciclos: a rede que se lança, o peixe que se espera, o silêncio que ensina. 

Essa fotografia é, em si, uma lição. Em tempos de pressa, ela nos convida à contemplação. Em tempos de individualismo, ela nos recorda a força do companheirismo. Em tempos de excesso, ela nos mostra a beleza do essencial. O barco singelo, as redes humildes, os homens atentos: tudo se alinha em harmonia com o céu límpido e as águas tranquilas. É como se Niterói, nesse instante, revelasse sua face mais verdadeira: a cidade que guarda em si tanto o pulsar da modernidade quanto o coração simples de quem sobrevive em comunhão com o mar.

Concita Cordeiro, ao compartilhar esse retrato, sem saber nos oferece um espelho de nós mesmos. Pois cada um de nós, à sua maneira, também carrega redes invisíveis. Todos lançamos esperanças ao mar incerto da vida. Todos dependemos, em maior ou menor grau, do outro que nos ajuda a puxar a rede de volta. E todos descobrimos, um dia, que a maior riqueza não é o peixe que vem, mas a certeza de não estar só nesse ofício chamado existir. 

Assim, a foto de Niterói não é apenas um registro; é um poema sem palavras. Um poema tecido em redes, águas e horizontes. Um poema que fala de amizade, de humildade, de fé e de permanência. No fim, não se trata de dois homens em um barco, mas de toda a humanidade navegando em busca de sustento, de sentido, de calor humano. E é nesse reflexo que a crônica se fecha, como quem recolhe a rede: com a certeza de que, no mar da vida, somos todos pescadores. 

© Alberto Araújo




 

Nenhum comentário:

Postar um comentário