“Verde, que te quero verde! Galhos da Mangueira carregadinhos! Mangas crescendo!” — assim escreveu Regina Mirian ao lado da imagem que compartilhou. E o verde se fez dono da cena: os galhos da mangueira, largos e generosos, transbordam da fotografia como braços abertos. Há sombra fresca sobre a terra batida, há o desenho de um caminho de pedrinhas que leva até a casa de telhado baixo, há flores que se erguem discretas, bordando de cor o quintal.
Para muitos, é apenas uma fotografia de um jardim em dia de sol. Mas para mim, que nasci no chão quente de Luzilândia, é um portal aberto para as manhãs da infância. É como se a foto tivesse guardado dentro dela não só a imagem, mas também o cheiro da seiva, o som do vento, o gosto da manga mordida com pressa de menino.
A mangueira, sempre ela, era o centro da vida no quintal. Não era apenas árvore: era abrigo, era palco, era companheira de brincadeiras. Havia uma ousadia própria da juventude em escalar seus galhos fortes, sentindo a aspereza da casca contra a pele. O coração disparava, não tanto pelo medo da queda, mas pela alegria da altura conquistada. Do alto, o mundo parecia maior, e ainda assim cabia inteiro dentro do quintal.
As mangas, penduradas em cachos, eram promessas de doçura. Verdes como estavam, já exalavam um perfume fresco, que enchia o ar de esperança. Havia um rito em cada colheita: a escolha do galho mais firme, o equilíbrio do corpo, o gesto rápido de torcer o fruto até ouvir o estalo discreto que anunciava a conquista. Depois, era só morder. O sumo escorria pelos dedos, pelo queixo, pelo peito, e nada importava, era a própria vida, em estado de festa.
A foto de Regina Mirian me devolve a esse tempo em que a simplicidade bastava. Vejo o caminho de pedrinhas e me lembro das veredas de terra que eu percorria descalço, sentindo o pó quente levantar-se a cada passo. Vejo a casa ao fundo e me recordo das vozes chamando para dentro: o almoço pronto, a mãe descascando a manga madura com a destreza de quem descasca também a vida, oferecendo aos filhos um amor em fatias.
O quintal tinha sua música: o canto dos pássaros escondidos nas copas, o zumbido preguiçoso dos insetos, o estalo das folhas secas ao serem pisadas. E havia também o silêncio, aquele silêncio cheio de presença, que fazia da tarde um templo de calma. Era nesse silêncio que a mangueira reinava, paciente, ensinando que tudo amadurece no tempo certo.
Hoje, na pressa das cidades, quase nos esquecemos de olhar para essas lições. Mas a fotografia nos devolve essa eternidade do instante. O verde não é apenas cor: é memória, é promessa, é esperança. É o mesmo verde que resistia nas estiagens do sertão, quando tudo parecia árido, mas a mangueira se mantinha firme, ofertando sombra e frutos como quem diz: “tenham fé, meninos, o tempo da fartura virá”.
E então percebo: cada galho carregado é também uma metáfora da vida. Nós, como mangas, crescemos devagar, aprendemos no compasso das estações, amadurecemos quando chega a hora. A árvore nos ensina a paciência, a generosidade, o dom de dar sem pedir nada em troca.
Olho novamente a imagem e já não vejo apenas a fotografia. Vejo-me a mim mesmo, menino, subindo com pressa, rindo com os amigos, desafiando a altura como quem desafia o próprio destino. Do alto do galho, vejo o Velho Monge, o Parnaíba, correndo lá adiante, testemunha silenciosa das nossas travessuras. E sinto, de novo, a eternidade escorrer em forma de sumo, doce e pegajoso, enquanto o sol me aquece e o vento me abraça.
A mangueira em festa não celebra apenas a abundância de frutos. Celebra também a infância que nunca nos deixa, o menino que ainda mora em nós, as raízes que sustentam nossa travessia. A cada nova estação, ela repete sua lição: a vida é generosa, e sempre haverá frutos para quem souber esperar.
E assim, diante da fotografia e da
legenda singela, descubro que a festa da mangueira não está apenas no quintal
de Regina Mirian. Está também dentro de mim, no coração daquele menino
nordestino que aprendeu cedo que subir em árvores é outra forma de alcançar o
céu.
© Alberto Araújo
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