A cada manhã, quando o dia se abre em Icaraí, a paisagem diante da janela parece reinventar-se como um quadro inédito. Não importa se o céu vem vestido de azul límpido ou carregado de nuvens pesadas, o mar, as árvores, a areia e o horizonte criam sempre uma composição distinta, como se a natureza fosse um pintor incansável que nunca se repete.
Hoje, por exemplo, os galhos das árvores filtram a claridade, fazendo a rua parecer uma tela aquarelada. Entre as folhagens, o Pão de Açúcar e a silhueta inconfundível do Corcovado surgem como presença distante e, ainda assim, íntima. Do lado de cá, a vida pulsa em outro compasso: ciclistas riscam a ciclovia, pedestres atravessam a faixa, carros se movem como notas numa partitura urbana. O semáforo abre e fecha em cadência, marcando o ritmo do cotidiano.
Mas não é apenas a cidade que se revela: há algo de secreto nesse instante emoldurado pelo parapeito da janela. As flores pendem do vaso, roxas e rosadas, e parecem espiar o mundo com a mesma curiosidade de quem contempla a cena. Como se os lírios e samambaias fossem cúmplices da paisagem, testemunhas vivas que partilham do mesmo espetáculo que eu.
No fundo, talvez o que mais me comova seja esse contraste: do lado de dentro, o silêncio da casa, o abrigo íntimo das plantas, o respirar calmo de quem observa; do lado de fora, o movimento incessante, a praia que convida, a vida que corre em passos largos. E, entre esses dois universos, a moldura da janela, uma fronteira invisível que não separa, mas integra.
Todos os dias, Icaraí me oferece uma nova versão de si mesma. Um dia é o brilho das manhãs douradas, quando o mar reflete o sol e as crianças correm pela areia como pequenas centelhas de luz. Outro dia é o cinza suave de uma tarde chuvosa, em que as gotas descem pela vidraça e apagam as cores, transformando tudo em uma pintura impressionista. Há ainda os fins de tarde, quando o céu se veste de vermelho e lilás, e parece que o próprio tempo faz uma pausa para contemplar a beleza.
E eu me pergunto: quantas cidades cabem em uma só? Quantas Icaraís se revelam, dependendo da hora, da luz, da estação, do meu próprio olhar? É como se a janela fosse também um espelho: ao contemplar a paisagem, encontro reflexos do que sinto. O dia alegre ilumina o coração; a manhã cinzenta acolhe a melancolia; o azul sereno do mar devolve a esperança.
Há quem viva sem olhar para fora. Eu, ao contrário, aprendi a viver também a partir dessa moldura. Porque cada imagem traz consigo uma lição: a constância e a mudança, a beleza e o desgaste, a vida que flui em sua diversidade. Não há monotonia quando se habita um lugar onde o horizonte é dinâmico, onde o mar se reinventa em cada manhã.
E assim, dia após dia, a janela se torna uma espécie de altar — um espaço onde a simplicidade se encontra com o sublime. O cenário nunca é o mesmo, mas a sensação é constante: estar diante de um milagre cotidiano, desses que só os olhos atentos percebem.
Em Icaraí, aprendi que cada instante é irrepetível. E que, ao olhar pela janela, não vejo apenas a paisagem: vejo também o tempo, a vida, e a mim mesmo em movimento.
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Alberto Araújo
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