terça-feira, 30 de setembro de 2025

RENATA CLARKE-GRAY - ENTRE FRONTEIRAS, VOZES E HORIZONTES O BRINDE DOURADO DE RENATA - CRÔNICA LÍRICA DE ALBERTO ARAÚJO

 


A imagem de Renata Clarke-Gray, registrada em sua página no Facebook, mostra muito mais do que uma cena de celebração à beira-mar. O gesto de erguer uma taça de champanhe ao pôr do sol, em Grenada, no Caribe, simboliza uma trajetória marcada pela literatura, pela arte e pela construção de pontes culturais. Renata é, antes de tudo, uma mulher que transformou sua vida em obra, e sua obra em legado.

 

O sol se despede em tons de ouro, tingindo o horizonte de uma promessa eterna. Na praia, onde o mar se encontra com o céu em um abraço de luz, Renata ergue sua taça. O gesto é simples, mas carrega a força simbólica de uma vida inteira dedicada à palavra e à criação.

 

Vestida de branco, como quem se oferece ao entardecer em pureza e renovação, traz no colar dourado um reflexo do próprio sol. Mas o que mais reluz não é o ouro, nem a espuma do champanhe: é a trajetória de uma mulher que fez da literatura e da arte um território de pertencimento e resistência.

 

Nascida em São Paulo, moldada pelas brisas de João Pessoa e hoje enraizada no Caribe, Renata é uma viajante da palavra. Escritora bilíngue, compositora, fotógrafa de pores do sol, sua obra é um mosaico de identidades.

 

Entre suas muitas contribuições, destaca-se sua longa participação como membro oficial da Rede Sem Fronteiras, instituição que promove a literatura e a cultura brasileira em âmbito internacional. Foi nesse espaço que integrou, em tempos memoráveis, a chamada Equipe Dourada, sob a presidência da jornalista Dyandreia Portugal. Ao meu lado, Álvaro Luiz Cardoso, Nina Fernandes, Valéria  Lopes e o saudoso designer Marcos ajudou a consolidar um núcleo de trabalho que se tornou referência pela dedicação, criatividade e espírito colaborativo. Mais do que uma equipe, tratava-se de um coletivo de afinidades, onde a amizade e a literatura se entrelaçavam em um mesmo propósito: difundir a voz luso-brasileira além de suas fronteiras.

 

Essa dimensão coletiva não diminui sua força individual, pelo contrário, a amplia. Renata é autora de textos publicados em diversas antologias, pelas editoras Literarte, Rede Sem Fronteiras, Letras Graciosas e Ações Literárias. Seu blog bilíngue, Shades of Clarke-Gray, é um espaço de encontro com sua escrita, onde o leitor pode acompanhar reflexões, crônicas e fragmentos de sua produção. Sua obra, marcada pela sensibilidade e pela consciência social, reflete a pluralidade de sua vivência: brasileira de origem, caribenha por escolha, cidadã do mundo por vocação.

 

Na Academia Internacional de Literatura Brasileira (AILB), na Academia Inclusiva de Autores Brasilienses (AIAB) e no Núcleo Accademico Italiano di Scienze, Lettere e Arti (NAISLA), sua presença é sempre ponte, sempre travessia. Como colaboradora do Coletivo Mulheres Artistas, coordena o projeto Vozes de Mulheres Artistas, dando espaço e visibilidade a tantas criadoras que, como ela, sabem que a arte é também um ato político de afirmação.

 

Na imagem, porém, não vemos apenas a intelectual, a ativista, a escritora. Vemos a mulher que sabe celebrar. O sorriso que oferece à câmera é o mesmo que oferece à vida: um sorriso de quem reconhece a beleza do instante, mas também a luta que o antecedeu. O champanhe borbulha como ideias em sua mente inquieta, como versos que se preparam para nascer. Cada gole é um brinde à memória, à amizade, à literatura que a conecta ao mundo.

 

E há algo de profundamente simbólico em vê-la fotografar pores do sol. Para muitos, o entardecer é despedida. Para Renata, é renascimento. Sua lente não captura o fim, mas o recomeço. Sua escrita não se limita a narrar, mas a reinventar. Sua vida, espalhada entre São Paulo, João Pessoa e Grenada, é a prova de que fronteiras são apenas linhas imaginárias quando se tem a coragem de atravessá-las.

 

Renata Clarke-Gray é, ao mesmo tempo, autora e personagem de sua própria crônica. É a mulher que brinda ao entardecer, mas também a que escreve sobre ele. É a brasileira que carrega o Nordeste no coração e o Caribe nos olhos. É a amiga que compartilhou jornadas na Equipe Dourada, e a artista que segue iluminando caminhos com sua voz singular.

 

No instante congelado pela fotografia, o mundo parece caber em sua taça. E ao erguer o brinde, Renata não celebra apenas a si mesma. Celebra a todos nós que, de alguma forma, fomos tocados por sua arte, por sua presença, por sua coragem de ser ponte entre mundos.

 

Renata Clarke-Gray é, portanto, mais do que uma escritora: é uma articuladora cultural, uma ponte entre línguas, geografias e sensibilidades. Sua presença em academias, coletivos e redes literárias reafirma a importância de sua voz no cenário internacional. E sua imagem ao entardecer, brindando à vida, é a metáfora perfeita de sua trajetória: uma mulher que transforma cada pôr do sol em recomeço, cada fronteira em travessia, cada palavra em resistência.

 

Cheers, Renata. Que o sol continue se pondo em sua direção, e que cada entardecer seja mais um capítulo da sua obra infinita.

 

© Alberto Araújo 




BIOGRAFIA LÍRICA DE  RENATA CLARKE-GRAY

A vida de Renata Clarke-Gray é um itinerário de palavras, sons e imagens. Escritora, compositora bilíngue, fotógrafa de pores do sol e articuladora cultural, sua trajetória é marcada pela travessia entre geografias, línguas e sensibilidades. Nascida em São Paulo, criada em João Pessoa e hoje residente em Grenada, no Caribe, Renata construiu uma identidade literária que ultrapassa fronteiras e se afirma como ponte entre culturas. Sua obra e sua atuação não se limitam ao espaço individual da criação: expandem-se em redes, coletivos e instituições que reconhecem nela uma voz singular e necessária.

Renata é membro oficial da Rede Sem Fronteiras, instituição que promove a literatura e a cultura brasileira em âmbito internacional. Nesse espaço, participou da memorável Equipe Dourada, sob a presidência da jornalista Dyandreia Portugal, ao lado de Alberto, Álvaro e Nina Fernandes. Esse núcleo tornou-se referência pela dedicação, criatividade e espírito colaborativo, simbolizando a força da literatura como elo entre pessoas e nações.

Sua presença em academias literárias reforça sua relevância cultural. É integrante da Academia Internacional de Literatura Brasileira (AILB), da Academia Inclusiva de Autores Brasilienses (AIAB) e do Núcleo Accademico Italiano di Scienze, Lettere e Arti (NAISLA). Em cada uma dessas instituições, Renata não apenas ocupa um lugar: ela o transforma, levando consigo a pluralidade de sua experiência e a convicção de que a literatura é um território de encontro.

Como colaboradora do Coletivo Mulheres Artistas, coordena o projeto Vozes de Mulheres Artistas, que dá visibilidade a criadoras de diferentes áreas, reafirmando a arte como ato político e de afirmação feminina. Sua atuação é marcada pela generosidade de abrir espaços, de criar redes de apoio e de fortalecer a presença das mulheres no cenário cultural.

Renata também é autora de textos publicados em diversas antologias, pelas editoras Literarte, Rede Sem Fronteiras, Letras Graciosas e Ações Literárias. Seu blog, Shades of Clarke-Gray, é um espaço de encontro com sua escrita, onde o leitor pode acompanhar reflexões, crônicas e fragmentos de sua produção. Ali, revela-se a escritora que transforma o cotidiano em poesia, que transita entre o português e o inglês com naturalidade, que traduz em palavras a experiência de viver entre mundos.

Sua obra é marcada pela sensibilidade e pela consciência social. Ao mesmo tempo em que celebra a beleza da vida, não se furta a refletir sobre os desafios da existência contemporânea. Renata é uma artista que compreende a literatura como resistência, como possibilidade de diálogo e como instrumento de transformação.

A biografia de Renata Clarke-Gray é, em essência, uma narrativa de travessias. Travessias geográficas, entre São Paulo, João Pessoa e Grenada. Travessias linguísticas, entre o português e o inglês. Travessias culturais, entre academias, coletivos e redes literárias. Em todas elas, permanece a mesma essência: a de uma mulher que fez da arte um modo de viver e de compartilhar.

Renata é mais do que uma escritora: é uma articuladora cultural, uma ponte entre línguas, geografias e sensibilidades. Sua presença em instituições literárias e coletivos reafirma a importância de sua voz no cenário internacional. Sua trajetória é um convite para que todos nós reconheçamos na literatura não apenas um espaço de expressão individual, mas um território de encontro, de resistência e de esperança.

Renata Clarke-Gray é, portanto, autora e personagem de sua própria história: uma brasileira que carrega o Nordeste no coração, o Caribe nos olhos e o mundo na palavra.

 

© Alberto Araújo





A HISTÓRIA DA IMPRESSÃO E A BÍBLIA DE GUTENBERG

A invenção da imprensa não começou na Europa. No Oriente, já no século IX, os chineses imprimiam livros por xilogravura, sendo o Sutra do Diamante (868) o exemplar mais antigo conhecido com data precisa. No século XI, o chinês Bi Sheng desenvolveu os primeiros tipos móveis de argila, um avanço notável, mas limitado pela complexidade da escrita chinesa. 

Na Coreia, em 1377, surgiu o Jikji, um texto budista impresso com tipos móveis metálicos, considerado o livro mais antigo do mundo feito com essa técnica. Apesar desses marcos, a impressão não se difundiu amplamente no Oriente por razões culturais e práticas. 

Foi na Europa que a invenção ganhou força transformadora. Entre 1450 e 1455, em Mainz, Alemanha, Johannes Gutenberg produziu a famosa Bíblia de 42 linhas, conhecida como Bíblia de Gutenberg. Utilizando tipos móveis metálicos reutilizáveis, tinta à base de óleo e uma prensa adaptada, Gutenberg conseguiu imprimir cerca de 180 exemplares, alguns em papel e outros em pergaminho. 

A Bíblia de Gutenberg não foi o primeiro livro impresso do mundo, mas foi o primeiro grande livro impresso no Ocidente com tipos móveis metálicos. Sua produção marcou o início da era da imprensa, revolucionando a difusão do conhecimento, tornando os livros mais acessíveis e abrindo caminho para o Renascimento, a Reforma e a Revolução Científica. 

A REVOLUÇÃO DOS LIVROS: DA ÁSIA À BÍBLIA DE GUTENBERG 

AS RAÍZES NO ORIENTE 

China (868): O Sutra do Diamante é o livro impresso mais antigo com data conhecida, feito por xilogravura.

China (1040): O inventor Bi Sheng cria os primeiros tipos móveis de argila, um marco tecnológico. 

Coreia (1377): Surge o Jikji, primeiro livro do mundo impresso com tipos móveis metálicos, quase 80 anos antes de Gutenberg. 

A VIRADA NO OCIDENTE 

Alemanha (1450–1455): Em Mainz, Johannes Gutenberg desenvolve os tipos móveis metálicos reutilizáveis, combinados com tinta à base de óleo e uma prensa adaptada. 

O resultado é a Bíblia de 42 linhas, conhecida como Bíblia de Gutenberg, com cerca de 180 exemplares produzidos em papel e pergaminho. 

IMPORTÂNCIA CULTURAL

A Bíblia de Gutenberg não foi o primeiro livro impresso do mundo, mas foi o primeiro grande livro impresso no Ocidente com tipos móveis metálicos. 

Sua invenção democratizou o acesso ao conhecimento, antes restrito a monges e elites. 

A imprensa abriu caminho para o Renascimento, a Reforma Protestante e a Revolução Científica, transformando a história da humanidade. 

Hoje, a Bíblia de Gutenberg é considerada um dos livros mais valiosos do mundo, preservado em bibliotecas e museus. Mais do que um objeto histórico, ela simboliza o início da era da informação, um divisor de águas que mudou para sempre a forma como o ser humano compartilha ideias. 

© Alberto Araújo

Focus Portal Cultural

 



 

O SILÊNCIO DOURADO DE ICARAÍ - CRÔNICA DE ALBERTO ARAÚJO - A Dioran Mäch’ado


Há imagens que não apenas capturam um instante, elas o eternizam. A fotografia compartilhada por Dioran Mäch'ado em seu perfil do Facebook é uma dessas raridades. Um fim de tarde na Praia de Icaraí, onde o céu se dissolve em tons de ouro, rosa e azul profundo, e o tempo parece suspenso entre o último raio de sol e o primeiro lampejo da noite. É mais do que uma paisagem: é um convite à contemplação, uma carta aberta ao silêncio que mora dentro de nós. 

Na imagem, um coqueiro inclinado observa o mar como quem guarda segredos antigos. Ao fundo, o contorno inconfundível do Pão de Açúcar e das montanhas do Rio de Janeiro desenha uma moldura natural que mistura o urbano e o selvagem, o concreto e o eterno. Dois corpos sentados na areia, voltados para o horizonte, são testemunhas silenciosas da beleza que não pede permissão para existir. 

Dioran, ao compartilhar essa cena, não apenas dividiu uma paisagem com seus seguidores, ele revelou um estado de espírito. A legenda, breve e poética, não precisava de mais palavras. A imagem falava por si. E talvez seja esse o poder das redes sociais quando usadas com sensibilidade: transformar o cotidiano em arte, o banal em sublime.

A Praia de Icaraí, tantas vezes atravessada por pressa, por compromissos e por ruídos, se revela ali como um templo. Não há multidões, não há distrações. Apenas o mar, o céu e a presença humana reduzida à sua essência: observar, sentir, existir. É como se Dioran tivesse capturado o exato momento em que o mundo respira fundo antes de mergulhar na noite. 

Essa crônica visual nos convida a pensar sobre o que deixamos escapar. Quantas vezes passamos por paisagens como essa sem vê-las? Quantas vezes o pôr do sol nos ofereceu poesia e nós respondemos com indiferença? A foto é um lembrete gentil e poderoso, de que a beleza está sempre disponível, mas exige atenção. 

A publicação de Dioran Mäch'ado é mais do que uma imagem bonita: é um manifesto silencioso contra a pressa, contra o esquecimento daquilo que é essencial. É uma pausa em meio ao ruído digital, uma janela aberta para o que ainda nos emociona. Ao olhar para aquela foto, somos convidados a desacelerar, a sentar na areia, a ouvir o mar e a deixar que o céu nos conte seus segredos.

Porque, no fim das contas, talvez seja isso que buscamos, não respostas, mas instantes. E naquela tarde dourada em Icaraí, Dioran nos ofereceu um dos mais preciosos. 

Crédito da Foto: Machado  Machado 

@Alberto Araújo




 

A LUA VISTA DA MINHA VARANDA - CRÔNICA DE ALBERTO ARAÚJO

 

 


A noite começou com um silêncio diferente. Não era apenas ausência de som, mas uma espécie de pausa no tempo, como se o mundo estivesse esperando por algo. Eu e minha esposa, cúmplices de tantas jornadas e silêncios compartilhados, nos sentamos na varanda do nosso apartamento, em Niterói, com os olhos voltados para o céu. Havia uma expectativa quase infantil pairando no ar: a chegada da Lua.

 

Não era uma noite qualquer. A cidade, embora viva e pulsante, parecia ter desacelerado. As luzes dos prédios ao longe tremeluziam como se piscassem em compasso com nossos corações. O mar, sempre presente, refletia uma calma que contrastava com a ansiedade silenciosa que nos tomava. Esperávamos a Lua como quem espera uma revelação, uma resposta, um sinal.

 

Às 24h30min, ela surgiu.

 

Não fez alarde. Não precisou. A Lua apareceu como quem sabe que sua presença basta. Brilhante, bela, imponente. Um disco de luz que atravessava o céu e tocava a alma. Ficamos em silêncio, como se qualquer palavra fosse um ruído desnecessário diante daquela aparição. Era como se o universo tivesse nos presenteado com um momento só nosso, íntimo, eterno.

A Lua vista da minha varanda não era apenas um fenômeno astronômico. Era uma lembrança de tudo o que é imenso e, ao mesmo tempo, acessível. Era o reflexo de todas as noites em que olhamos para cima em busca de consolo, de inspiração, de sentido. Era o espelho das nossas emoções, dos nossos medos, dos nossos sonhos. 

Enquanto a Lua subia no céu, eu pensava nas informações que nos cercam diariamente. Notícias, dados, estatísticas, alertas. Vivemos imersos em uma avalanche de conteúdos que nos dizem como sentir, como pensar, como agir. Mas ali, naquela varanda, diante da Lua, tudo isso parecia pequeno. A única informação que importava era aquela luz silenciosa que atravessava o céu e nos tocava o coração. 

A Lua não precisa de legenda. Não precisa de breaking news. Ela é a própria notícia, a própria poesia, o próprio milagre. E, no entanto, quantas vezes deixamos de olhar para ela? Quantas vezes trocamos o céu por uma tela, a contemplação por uma rolagem infinita?

Naquela noite, eu e minha esposa redescobrimos o valor do olhar. Do tempo desacelerado. Da presença. A Lua nos lembrou de que há beleza no simples, no natural, no eterno. Que há informações que não vêm em bytes, mas em brilhos. Que há verdades que não se explicam, apenas se sentem.

 

A madrugada avançou, e a Lua seguiu seu caminho. Mas algo ficou. Uma espécie de paz, de reconexão, de certeza. A certeza de que, por mais que o mundo mude, por mais que as informações nos inundem, há coisas que permanecem. E a Lua, vista da minha janela, é uma delas.

 

© Alberto Araújo

O ESPELHO E O INFINITO - PROSA POÉTICA DE ALBERTO ARAÚJO A JORGE LUIS BORGES

Borges escrevia como quem pressente que o universo é feito de símbolos. Cada palavra era uma chave, mas nenhuma chave abria uma porta definitiva. O que se abria, sempre, era outro corredor, outra biblioteca, outro reflexo. E talvez fosse isso que mais o fascinava: a ideia de que não existe fim, apenas repetições, variações, ecos. 

Para ele, o tempo não era uma linha reta, mas um círculo. Um rio que retorna ao mesmo ponto, mas nunca da mesma forma. O instante que vivemos agora já foi vivido, e será vivido outra vez, em outra dobra do infinito. E, no entanto, Borges não se desesperava diante dessa eternidade: sorria, como quem aceita que o mistério é maior do que qualquer resposta. 

Sua cegueira tardia não lhe roubou a visão. Ao contrário, deu-lhe olhos interiores, capazes de enxergar o que não se mostra. Ele caminhava pelas ruas de Buenos Aires como quem percorre um sonho, reconhecendo que cada esquina podia ser também uma metáfora, cada sombra um sinal. E, ao escrever, transformava o mundo em um vasto espelho, onde o leitor se via refletido — mas sempre de forma estranha, multiplicada, infinita. 

Borges acreditava que a literatura é um jogo secreto entre o homem e o destino. Um jogo em que não há vencedores, apenas jogadores que se perdem e se encontram nas páginas. Ele sabia que cada livro é também um espelho, e que cada leitor, ao abrir um volume, está também sendo lido por ele. A biblioteca, para Borges, não era apenas um lugar físico: era o próprio universo, com suas prateleiras intermináveis, seus corredores que se repetem, suas páginas que contêm todas as histórias possíveis.

E, no entanto, havia ternura em sua filosofia. Não era apenas o frio raciocínio de um arquiteto de labirintos, mas também a delicadeza de um homem que sabia que a eternidade pode caber em um gesto simples: o toque de uma mão, a lembrança de um rosto, a palavra que se repete como um eco amoroso. Borges nos ensinou que o infinito não está apenas nas estrelas ou nos livros, mas também no instante em que respiramos, no olhar que se cruza com o nosso, no silêncio que se prolonga entre duas frases.

Ele compreendia que a vida é feita de símbolos, mas também de carne, de memória, de esquecimento. Sabia que o tempo nos devora, mas também nos multiplica. E talvez por isso sua obra seja tão paradoxal: ao mesmo tempo em que nos lembra da nossa pequenez diante do cosmos, também nos oferece a grandeza de sermos parte dele. Cada ser humano, para Borges, é uma biblioteca ambulante, um livro que se escreve sozinho, uma narrativa que se entrelaça com outras narrativas. 

Sua literatura é um convite à vertigem. Ao abrir suas páginas, não sabemos se estamos lendo ou sendo lidos, se estamos sonhando ou sendo sonhados. Ele nos mostra que a realidade pode ser apenas uma ficção mais persistente, e que a ficção pode ser mais real do que qualquer experiência concreta. E, nesse jogo de espelhos, Borges nos devolve a nós mesmos — mas transformados, multiplicados, infinitos. 

Há quem veja em sua obra apenas o labirinto, a dificuldade, a erudição. Mas, se olharmos com atenção, veremos também a ternura escondida, a melancolia suave, a esperança discreta. Porque Borges, apesar de seus paradoxos, acreditava na beleza da busca. Mesmo sabendo que não há resposta final, ele nos ensinou que a própria procura já é uma forma de eternidade. 

E assim, Borges permanece. Não como um autor distante, mas como um companheiro secreto, que caminha ao nosso lado sempre que abrimos um livro. Ele nos lembra de que o espelho não mostra apenas o que somos, mas também o que poderíamos ser. E que, ao olharmos para dentro do labirinto, descobrimos que o labirinto somos nós.

© Alberto Araújo

 


 

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

O SILÊNCIO DAS ENTRELINHAS - PROSA POÉTICA DE ALBERTO ARAÚJO

Clarice escrevia como quem encosta o ouvido no coração do mundo. Não buscava grandes acontecimentos, não se deixava seduzir pelo espetáculo da vida em sua superfície. Preferia o detalhe mínimo, a fresta de luz que se derrama sobre a mesa, o silêncio que se instala entre duas palavras, o instante em que o olhar se perde e, sem querer, encontra o infinito. Sua literatura não gritava: sussurrava. E nesse sussurro havia uma força capaz de desmontar certezas, de desarmar o leitor diante do mistério que é simplesmente existir. 

Ela sabia que viver é sempre um risco: o risco de sentir demais, de não caber em si mesma, de se perder no próprio labirinto interior. Mas também sabia que é nesse risco que mora a beleza. Clarice transformava o banal em revelação, como se cada gesto cotidiano fosse uma porta secreta para o indizível. Uma xícara de café, um cachorro dormindo ao sol, uma criança que pergunta algo simples demais, tudo isso, em suas mãos, se tornava matéria de eternidade.

Sua escrita parecia nascer de um lugar anterior às palavras, como se fosse preciso atravessar o silêncio para que a frase pudesse existir. Não era apenas literatura: era uma tentativa de tocar o indomável, de traduzir o que não se deixa traduzir. Ler Clarice é aceitar que a vida não precisa ser explicada — basta ser sentida. E, no fundo, talvez seja isso que ela nos ensina: que a palavra não aprisiona o mistério, apenas o acaricia, como quem passa a mão sobre a superfície de um lago sem jamais alcançar sua profundidade. 

Clarice não escrevia para agradar, mas para revelar. Revelar o que há de mais íntimo e, ao mesmo tempo, de mais universal. Sua obra é um convite à vulnerabilidade: ao aceitar que somos frágeis, contraditórios, incompletos, descobrimos também a grandeza de sermos humanos. Ela não tinha medo de expor a ferida, porque sabia que é na ferida que a vida pulsa mais forte. 

E havia nela uma coragem rara: a de olhar para dentro sem desviar os olhos. Muitos de nós preferimos a distração, o barulho, a pressa. Clarice, ao contrário, mergulhava no silêncio, como quem sabe que é ali que mora a verdade. Não uma verdade absoluta, mas uma verdade íntima, feita de lampejos, de intuições, de pequenas epifanias que surgem quando menos se espera.

Talvez por isso sua escrita seja tão difícil de definir. Não é romance, não é conto, não é ensaio,  é tudo isso e mais. É fluxo, é respiração, é pensamento em estado bruto. É como se Clarice tivesse encontrado uma forma de escrever o instante antes que ele se dissolvesse. E, ao fazê-lo, nos lembrava de que a vida é feita de instantes, e que cada um deles pode conter o universo inteiro. 

Há quem diga que sua literatura é hermética, difícil, quase inacessível. Mas, na verdade, ela é simples,  simples como o gesto de respirar, como o ato de existir. O que a torna complexa é justamente essa simplicidade radical, essa recusa em se afastar do essencial. Clarice não enfeitava: desnudava. Não construía castelos de palavras: derrubava muros para que o leitor pudesse ver o que sempre esteve ali, mas que raramente ousamos encarar.

E, no entanto, sua escrita não é sombria. Há nela uma luz estranha, uma claridade que não vem do sol, mas de dentro. É a luz da consciência, da percepção aguda, da sensibilidade que transforma até a dor em revelação. Ler Clarice é como acender uma vela em um quarto escuro: de repente, tudo ganha contorno, mas também sombras novas, que antes não víamos. 

No fundo, Clarice nos lembra que viver é um exercício de atenção. Atenção ao que é pequeno, ao que é invisível, ao que parece insignificante. Porque é justamente aí que a vida se revela em sua plenitude. O silêncio entre duas frases pode dizer mais do que um discurso inteiro. O olhar de um animal pode conter mais verdade do que mil teorias. O instante em que respiramos fundo pode ser, por si só, uma experiência de eternidade. 

E talvez seja essa a grande lição de sua obra: não precisamos buscar o extraordinário fora de nós. O extraordinário está no cotidiano, no gesto simples, no instante fugaz. Está em aprender a olhar de novo, como se fosse a primeira vez. Está em aceitar que nunca teremos todas as respostas  e que isso não é um fracasso, mas uma forma de liberdade. 

Clarice Lispector fez da literatura um espelho turvo, onde nos vemos deformados, mas também mais verdadeiros. Ao lê-la, não encontramos apenas suas palavras: encontramos a nós mesmos. E, nesse encontro, descobrimos que a vida, com toda a sua estranheza e beleza, não precisa ser decifrada. Basta ser vivida.


© Alberto Araújo

 


 

O LABIRINTO INVISÍVEL - PROSA POÉTICA DE ALBERTO ARAÚJO


"Há portas que não se abrem porque não existem, 

e ainda assim passamos a vida inteira diante delas." — Franz Kafka 

Franz Kafka escrevia como quem sonha acordado dentro de um quarto estreito, mas onde, às vezes, uma janela se abria para o inesperado. Seus personagens tropeçam em corredores sem saída, é verdade, mas cada tropeço também é um convite a olhar para dentro, a descobrir que até no erro há um caminho secreto. A vida, para ele, era um enigma sem chave  e a literatura, a lanterna que iluminava, ainda que por instantes, a escuridão. 

Kafka não descrevia apenas monstros internos, mas também a coragem silenciosa de enfrentá-los. Sua prosa é como um espelho turvo, onde o leitor se vê deformado, mas percebe, no fundo, que ainda há beleza na própria sombra. 

E há, sim, uma estranha alegria nesse desespero. Kafka nos mostra que até no absurdo há poesia, que até na angústia há uma centelha de revelação. Ler Kafka é aceitar que o mundo pode ser um labirinto, mas que, ao percorrê-lo, descobrimos também a inesperada doçura de estar perdido.

No entanto, ao final do corredor, não há saída visível. Mas talvez não importe: porque, enquanto caminhamos, o próprio labirinto floresce em nós, e cada passo se torna uma forma secreta de liberdade. E quem sabe, em algum ponto, não seja a porta que se abre, mas nós que aprendemos a atravessar as paredes. 

© Alberto Araújo

 



 

FERNANDO PESSOA NA ESQUINA DO TEMPO - PROSA POÉTICA DE ALBERTO ARAÚJO

Lisboa acordava com o tilintar dos bondes e o cheiro de café fresco escapando das padarias. Na esquina da Rua dos Douradores, um homem franzino ajeitava os óculos e parecia observar o mundo como quem lê um livro escrito em língua secreta. Era Fernando Pessoa, mas também não era, porque dentro dele havia muitos.

Enquanto os transeuntes corriam para o trabalho, ele permanecia imóvel, como se esperasse algo que nunca chegaria. Talvez uma revelação, talvez apenas o próximo verso. O balconista da tabacaria o cumprimentava sem saber que, dali, nasceria um dos poemas mais célebres da língua portuguesa. Pessoa respondia com um aceno tímido, guardando para si o turbilhão de vozes que o habitavam. 

Naquela Lisboa de pedras gastas e céu luminoso, ele escrevia sobre a solidão, mas também sobre a estranha alegria de existir. Era capaz de transformar o banal em abismo e o abismo em cotidiano. Para ele, até o simples ato de olhar uma janela podia ser uma viagem infinita. 

E assim, entre cigarros, cafés e papéis amassados, Fernando Pessoa fez da vida uma crônica silenciosa: a de um homem que nunca foi apenas um, mas que, justamente por isso, conseguiu ser todos.

 

© Alberto Araújo 


 

CONCEIÇÃO EVARISTO - QUANDO A LITERATURA ESCOLHE - CRÔNICA LITERÁRIO-JORNALÍSTICA DE ALBERTO ARAÚJO


CONCEIÇÃO EVARISTO - QUANDO A LITERATURA ESCOLHE

UFMG homenageia Conceição Evaristo com título Honoris Causa

Crônica Literário-jornalístico de Alberto Araújo  

Na segunda-feira, 29 de setembro de 2025, Belo Horizonte se prepara para um daqueles encontros em que o tempo parece se dobrar sobre si mesmo. No auditório da Reitoria da UFMG, não será apenas uma cerimônia acadêmica: será a celebração de uma vida inteira dedicada à palavra, à memória e à resistência. Conceição Evaristo receberá o título de Doutora Honoris Causa, e, com ela, sobem ao palco todas as vozes que sua escrita soube acolher, as vozes das mulheres, das favelas, dos becos, das memórias que insistem em não se calar.

Conceição, em seu depoimento, disse que “a literatura me escolheu”. Há algo de destino nessa frase, mas também há luta. Porque não basta ser escolhida: é preciso aceitar o chamado, e mais ainda, é preciso abrir caminho onde antes só havia silêncio. A menina que cresceu na periferia de Belo Horizonte, filha de uma mãe que lhe ensinou o gosto pela leitura, não poderia imaginar que um dia voltaria à sua cidade natal para ser homenageada como uma das maiores vozes da literatura brasileira contemporânea. Mas talvez pudesse sonhar e sonhou.

A crônica da vida de Conceição é feita de deslocamentos. Nos anos 1970, ela deixa Minas e vai para o Rio de Janeiro, onde se forma em Letras e se torna professora da rede pública. Mais tarde, mergulha nos estudos acadêmicos, escreve dissertação e tese, dialoga com autores afro-brasileiros e africanos, e constrói uma obra que é, ao mesmo tempo, denúncia e poesia. Sua escrita não se contenta em narrar: ela convoca, ela exige, ela emociona. 

Quem leu Ponciá Vicêncio sabe que não se trata apenas de um romance. É um mergulho em memórias fragmentadas, em tempos que se cruzam, em dores que se repetem de geração em geração. Quem percorreu Becos da memória reconhece ali a pulsação de uma comunidade ameaçada pela remoção, mas também a força de mulheres que resistem. Quem se deixou tocar por Olhos d’água ou pelas Insubmissas lágrimas de mulheres sabe que Conceição escreve com a ternura de quem acaricia e com a firmeza de quem denuncia.

Não é à toa que sua obra atravessou fronteiras, foi traduzida, estudada, celebrada. Não é à toa que sua voz ecoou em Paris, em universidades estrangeiras, em prêmios literários. Mas talvez o mais importante seja perceber que, mesmo diante do reconhecimento internacional, Conceição nunca deixou de escrever a partir de um lugar muito específico: o da mulher negra brasileira, que carrega na pele e na memória as marcas de uma história de exclusão, mas que também carrega a potência da criação, da invenção, da palavra que resiste. 

A UFMG, ao conceder-lhe o título de Doutora Honoris Causa, não apenas homenageia uma escritora. Reconhece uma trajetória que é, ao mesmo tempo, individual e coletiva. Reconhece a menina que sonhava em Belo Horizonte, a professora que alfabetizou no Rio, a pesquisadora que dialogou com a tradição afro-diaspórica, a autora que deu voz a tantas outras mulheres. Reconhece, sobretudo, que a literatura brasileira não pode mais ser pensada sem a presença de Conceição Evaristo. 

Há uma beleza simbólica nesse retorno. A universidade que um dia parecia distante da menina da periferia agora a recebe como doutora. É como se o tempo fechasse um ciclo, mas não para encerrá-lo: para abri-lo ainda mais. Porque Conceição continua escrevendo, continua publicando, continua nos lembrando de que a literatura não é apenas arte, mas também gesto político, ato de memória, exercício de liberdade. 

Em 2024, ela tomou posse na Academia Mineira de Letras. Em 2023, recebeu o Prêmio Intelectual do Ano. Antes disso, já havia sido celebrada em exposições, homenageada em prêmios, traduzida em várias línguas. Mas talvez nada seja tão significativo quanto este momento em que a universidade pública, espaço tantas vezes negado a corpos negros e periféricos, se curva diante de sua grandeza. 

Conceição Evaristo não escreve para adornar estantes. Sua literatura é feita para incomodar, para emocionar, para abrir feridas e, ao mesmo tempo, curá-las. É feita para lembrar que a história do Brasil não pode ser contada sem as vozes que foram silenciadas. É feita para que meninas negras, em qualquer periferia do país, possam se ver refletidas em páginas que lhes dizem: “vocês também podem, vocês também são”. 

Na noite da outorga, quando os aplausos ecoarem no auditório da Reitoria, não será apenas Conceição quem receberá a homenagem. Será sua mãe, que lhe ensinou a amar os livros. Serão as mulheres de suas histórias, que choraram lágrimas insubmissas. Serão as comunidades que resistiram nos becos da memória. Será, enfim, a própria literatura brasileira, que se engrandece ao reconhecer que sua força está na diversidade de vozes que a compõem. 

E assim, entre passado e presente, entre menina e doutora, entre sonho e realidade, Conceição Evaristo nos lembra de que a literatura não é apenas escolha: é destino, é travessia, é vida.


© Alberto Araújo

 




 

SARAU LITERÁRIO - VOZES DO CÍRIO & PROCISSÃO POÉTICA CONTARÃO COM A PARTICIPAÇÃO DE ANA MARIA TOURINHO


A literatura é encontro, é partilha, é a celebração das vozes que ecoam a alma de um povo. No coração do Círio, quando fé e cultura se entrelaçam, nasce o Sarau Literário: Vozes do Círio, um espaço onde poesia, música e palavra escrita se unem para iluminar caminhos e despertar emoções.

É nesse cenário de encantamento que nossa companheira Ana Maria Tourinho se fará presente, levando sua voz e sua escrita para dialogar com outros grandes nomes da literatura. O evento acontecerá no dia 2 de outubro, das 17h às 20h, na Biblioteca Pública Arthur Vianna (Hall do 3º andar – FCP, Av. Gentil Bittencourt, 650 – Nazaré).

O sarau contará com a participação de:

· Ana Maria Tourinho

· Janice Lima

· Thiago Carone

·  Renato Torres

·  Josette Lassance

·  Marc Bonaventura

·  Rui do Carmo

·  Josué Gouveia

·  Guilherme Pimenta

·  Renato Gusmão

·  Tânia Monteiro

Será uma noite de poesia, música e sessão de autógrafos, reunindo escritores e leitores em um encontro memorável.

E a celebração não para por aí: a convite do escritor Rui do Carmo, organizador da Procissão Poética, Ana Maria Tourinho também marcará presença nesse cortejo literário no dia 7 de outubro de 2025, a partir das 18h. Um momento em que a poesia caminha junto ao povo, transformando-se em procissão, canto e celebração da vida.

Que cada verso declamado e cada página autografada sejam sementes lançadas no coração dos presentes, florescendo em inspiração e memória. E que a presença de Ana Maria Tourinho, tanto no Sarau Literário quanto na Procissão Poética, seja mais um testemunho da força transformadora da arte e da palavra.

Anote na agenda, participe e deixe-se levar pela beleza da literatura em movimento.

© Alberto Araújo




 

CECY BARBOSA CAMPOS E SUA HOMENAGEADA KATE CHOPIN ECOS DE LIBERDADE EM MULHERES EXTRAORDINÁRIAS - ENSAIO BIOGRÁFICO-LITERÁRIO DE ALBERTO ARAÚJO

A literatura é um território onde as vozes femininas, tantas vezes silenciadas pela história, encontram espaço para ecoar com força e permanência. No monumental projeto Mulheres Extraordinárias – Volume 4, organizado pela Presidente da Rede Sem Fronteiras, Dyandreia Valverde Portugal e coordenado pela Ana Maria Tourinho vice-presidente mundial cultural da Rede Sem Fronteiras, uma constelação de autoras se une para resgatar e celebrar mulheres que transformaram o mundo com sua coragem, talento e visão. Entre essas homenagens, destaca-se a contribuição da escritora mineira Cecy Barbosa Campos, que dedica suas páginas à notável Kate Chopin (1850–1904), uma das precursoras da literatura feminista nos Estados Unidos. 

A escolha de Cecy não é casual: trata-se de um encontro de sensibilidades. De um lado, uma autora brasileira com mais de quarenta livros publicados, reconhecida por sua atuação em instituições culturais e literárias, que tem se dedicado a difundir a literatura nacional e internacional. De outro, uma escritora norte-americana que ousou desafiar os padrões de sua época, escrevendo sobre a independência feminina, a sexualidade e a busca por identidade em um século marcado por rígidas convenções sociais. 

KATE CHOPIN 

Nascida em St. Louis, Missouri, em 1850, Kate O’Flaherty Chopin cresceu em um ambiente de contrastes: filha de um bem-sucedido homem de negócios e de uma mãe de origem francesa, recebeu uma educação refinada em um convento, mas logo se viu diante das responsabilidades da vida adulta. Casou-se com Oscar Chopin, com quem teve seis filhos, e viveu por anos na Louisiana, imersa em uma cultura marcada pela tradição católica e pelo patriarcado.

A morte precoce do marido a obrigou a retornar a St. Louis e a buscar meios de sustentar a família. Foi nesse contexto que Kate encontrou na escrita não apenas uma forma de sobrevivência, mas também um espaço de libertação. Seus contos e romances, publicados em jornais e revistas, revelavam influências da literatura francesa, especialmente de Maupassant, e traziam à tona temas considerados ousados: o desejo feminino, a autonomia da mulher e a crítica às estruturas sociais que aprisionavam as mulheres em papéis restritos. 

Em 1899, publicou “The Awakening” (O Despertar)**, obra que se tornaria um marco da literatura americana. A protagonista, Edna Pontellier, rompe com as expectativas de esposa e mãe devotada, buscando sua própria identidade e liberdade. O romance, à época, foi recebido com escândalo e críticas severas, acusado de imoralidade. Contudo, o tempo fez justiça: hoje, O Despertar é reconhecido como um dos primeiros romances feministas da literatura ocidental, estudado em universidades e celebrado como precursor das discussões que ganhariam força no século XX.


CECY BARBOSA CAMPOS

Ao escolher Kate Chopin como sua homenageada, Cecy Barbosa Campos reafirma sua vocação de escritora e educadora comprometida com a valorização da mulher na literatura. Natural de Juiz de Fora, bacharel em Direito, licenciada em Letras e Pedagogia, pós-graduada em Literatura Brasileira, Cecy construiu uma trajetória sólida, marcada por mais de quatro décadas de dedicação à escrita, à pesquisa e à difusão cultural. 

Membro de academias literárias, conselheira de museus e participante ativa de projetos inclusivos, Cecy é também uma das idealizadoras da Rede Sem Fronteiras, que promove a literatura brasileira no exterior. Sua homenagem a Kate Chopin, portanto, não é apenas um gesto de admiração, mas também um ato de reconhecimento da universalidade da luta feminina. Ao escrever sobre Kate Chopin, Cecy estabelece um diálogo entre o Brasil e os Estados Unidos, entre o século XIX e o XXI, entre a ousadia de uma mulher que desafiou convenções e a persistência de outra que, no presente, continua a abrir caminhos para a literatura e para a memória cultural. 

As páginas 151 a 154 de Mulheres Extraordinárias – Volume 4 não são apenas um registro biográfico. São um tributo que transcende o tempo e o espaço, reafirmando a importância de se revisitar histórias de mulheres que ousaram ser diferentes. Cecy Barbosa Campos, ao narrar a vida e a obra de Kate Chopin, oferece ao leitor não apenas informações, mas inspiração. 

O gesto de Cecy, registrado com orgulho em sua foto compartilhada no grupo oficial da Rede Sem Fronteiras, segurando o livro recém-publicado, simboliza a continuidade de uma tradição literária que não se cala. Assim como Chopin, que encontrou na escrita uma forma de resistir e afirmar sua identidade, Cecy reafirma, com sua homenagem, que a literatura é um espaço de liberdade e de transformação.

Kate Chopin morreu em 1904, sem imaginar que sua obra seria redescoberta décadas depois como um marco da emancipação feminina. Cecy Barbosa Campos, ao trazê-la para o projeto Mulheres Extraordinárias, devolve-lhe o lugar de honra que a história lhe devia. Essa ponte entre passado e presente, entre culturas e gerações, é o que torna a literatura um patrimônio universal. 

O encontro entre Cecy e Kate, mediado pelas páginas da obra organizada por Dyandreia Portugal da Rede Sem Fronteiras, é mais do que uma homenagem: é um testemunho da força das palavras e da coragem das mulheres que ousaram escrever contra o silêncio. Em cada linha, ressoa a certeza de que a literatura é, e sempre será, um despertar. 

© Alberto Araújo