sábado, 6 de setembro de 2025

ENTRE O RIO E O MAR – MEMÓRIAS DE LUZ E SORRISO - CRÔNICA DE ALBERTO ARAÚJO


Há caminhos que não se medem em quilômetros, mas em afetos. O meu começou às margens do rio Parnaíba, o caudaloso Velho Monge, em Luzilândia, a cidade Luz, onde o sol é pródigo e a vida se desenha no compasso das conversas de fim de tarde. E, como quem segue o curso natural das águas, atravessei distâncias para encontrar outro porto: Niterói, a Cidade Sorriso. Vim por amor, amor a Shirley, que me aguardava com um abraço capaz de conter o mundo, e amor a esta terra que me recebeu como se fosse minha desde sempre. 

Em Luzilândia, aprendi a escutar o tempo: o canto do galo anunciando o dia, o tilintar das xícaras no café coado no pano, o murmúrio do rio guardando histórias antigas. Cresci com o aroma da macaxeira cozida, com o som da sanfona nas festas juninas e com a fé que se espalhava pelas ruas nas procissões. 

Hoje, em Icaraí, é o mar quem marca o compasso. Da varanda, vejo o Cristo Redentor acenando do outro lado da baía, como guardião da nossa vida. A brisa traz o sal e, junto com ele, o repicar dos sinos da Paróquia São Judas Tadeu, todos os dias às 12h e às 18h. É o Angelus de Maria, lembrando o momento da Anunciação, quando o Anjo Gabriel visita a Virgem e anuncia o nascimento de Cristo. Essa hora também me transporta às orações de minha terra, quando a fé se media pelo som cadenciado dos terços de minha mãe, Maria. 

O calçadão de Icaraí tornou-se minha nova praça: o vendedor de coco que já sabe meu pedido — dois cocos gelados, um para mim e outro para minha musa, o pescador que retorna com a rede farta, o casal de idosos que caminha de mãos dadas. E percebo que a vida à beira-mar não difere tanto da vida à beira-rio: em ambos, a água é espelho e caminho, e a comunidade se reconhece pelo olhar. 

Entre o dourado do entardecer sobre a Baía de Guanabara e o pôr do sol no rio Parnaíba, existe um diálogo silencioso. É como se o mar daqui conversasse com o rio de lá, e eu fosse o mensageiro dessa troca, levando no peito o calor do meu Nordeste e nos olhos a luz suave de Niterói. 

Entre a cidade onde nasci e a que escolhi para viver, há uma ponte invisível, tecida de amor, fé e memória. Não é de concreto como a Rio–Niterói, mas de lembranças que se entrelaçam e me sustentam. E todos os dias, ao abrir a janela e respirar fundo, sei que caminho por ela: com Shirley ao meu lado, o rio no coração e o mar diante dos olhos. 

© Alberto Araújo



 

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